sábado, 5 de abril de 2014

Irmãos visitam Loja Luiz Gama




Nossos irmãos Delbo e Daniel, da Loja Ir.: Paulo Roberto Machado, estiveram no oriente de São Paulo onde tiveram a oportunidade de visitar a Loja Luiz Gama, nº 464. Trata-se uma Loja centenária, fundada em 1884, com um belo Templo e uma história por demais interessante.

Achei a história do patrono tão interessante que decidi descrevê-la aqui.

Em 24 de agosto de 1884 foi fundada a Loja, tendo como patrono Luiz Gonzaga Pinto da Gama, conhecido como Luiz Gama.

Luiz Gama escreveu sua própria autobiografia, numa carta, para seu amigo Lúcio de Mendonça, em 25 de julho de 1880, quando tinha 50 anos de idade, de onde relato os principais lances, da forma como ele escreveu:

Nasci na cidade São Salvador, capital da província da Bahia, em um sobrado da Rua do Bângala, há 21 de junho de 1830, pelas 7 horas da manhã, e fui batizado, 8 anos depois, na igreja matriz do Sacramento, da cidade de Itaparica.

Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de nação) de nome Luíza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã.

Dava-se ao comércio - era quitandeira, muito laboriosa. Era dotada de atividade. Em 1837 (eu tinha sete anos) depois da Revolução do Dr Sabino, na Bahia, foi ao Rio de Janeiro, e nunca mais voltou. Procurei-a em 1847, em 1856 e 1861, na Corte, sem que a pudesse encontrar.

Meu pai era fidalgo e pertencia a uma das principais famílias da Bahia, de origem portuguesa. Devo poupar à sua infeliz memória uma injúria dolorosa, e o faço ocultando o seu nome.

Estandarte da Loja
Ele foi rico; e nesse tempo, muito extremoso para mim: criou-me em seus braços. Foi revolucionário em 1837. Esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836; e reduzido à pobreza extrema, a 10 de novembro de 1840, vendeu-me, como seu escravo, a bordo do patacho "Saraiva".

Remetido para o Rio de Janeiro nesse mesmo navio, fui, com muitos outros, para a casa de um português de nome Vieira, à rua da Candelária, que recebia escravos da Bahia, à comissão.

Nesta casa, em dezembro de 1840, fui vendido ao negociante e contrabandista alferes Antônio Pereira Cardoso, comprou-me e com apenas 10 anos; a pé, fiz toda a viagem de Santos até Campinas.

Fui escolhido por muitos compradores, nesta cidade, em Jundiaí e Campinas; e, por todos repelidos, como se repelem coisas ruins, pelo simples fato de ser eu "baiano".

Repelido como "refugo", voltei para a casa do Sr. Cardoso, nesta cidade, à rua do Comércio nº 2, sobrado, perto da Igreja da Misericórdia. Aí aprendi a copeiro, a sapateiro, a lavar e a engomar roupa e a costurar.

Em 1847, contava eu 17 anos, quando para casa do Sr. Cardoso veio morar, como hóspede, para estudar humanidades, o menino Antônio Rodrigues do Prado Júnior. Fizemos amizade íntima, de irmãos diletos, e ele começou a ensinar-me as primeiras letras.

Em 1848, sabendo eu ler e contar alguma coisa, e tendo obtido ardilosa e secretamente provas inconcussas de minha liberdade, retirei-me, fugindo, da casa do alferes Antônio Pereira Cardoso, que, aliás, votava-me a maior estima, e fui assentar praça. Servi até 1854, seis anos; cheguei a cabo de esquadra graduado, e tive baixa de serviço, depois de responder a conselho, por ato de suposta insubordinação, quando me tinha limitado a ameaçar um oficial insolente, que me havia insultado e que soube conter-me.

Templo da Loja
Estive, então, preso por 39 dias. Durante o meu tempo de praça, nas horas vagas, fiz-me copista; escrevia para o escritório do escrivão, major Benedito Antônio Coelho Neto, que se tornou meu amigo; e, como amanuense, no gabinete do exmo. sr. conselheiro Francisco Maria de Sousa Furtado de Mendonça, que aqui exerceu altos cargos na administração, e que é catedrático da Faculdade de Direito, fui seu ordenança; por meu caráter, por minha atividade e por meu comportamento, conquistei a sua estima e a sua proteção; e as boas lições de letras e de civismo, que conservo com orgulho.

Em 1856, depois de haver servido como escrivão perante diversas autoridades policiais, fui nomeado amanuense da Secretaria de Polícia, onde servi até 1868, época em que "por turbulento e sedicioso" fui demitido a “bem do serviço público”, pelos conservadores, que então haviam subido ao poder.

A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e suas idéias; e promover processos em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os Reis.

Agora chego ao período em que, meu caro Lúcio, nos encontramos no "Ipiranga", à rua do Carmo, tu, como tipógrafo, eu como simples aprendiz-compositor, de onde saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime.

Aqui termina a autobiografia de Luiz Gama, encaminhada a Lúcio de Mendonça, onde retrata seus fatos até 1868, apesar de ter escrito em 1880, não fazendo referencia a muitos outros fatos.

Em meados de 1860, torna-se um “Advogado Aprovisionado” ou “Rábula” e continua seu trabalho de libertação de escravos.

Fez versos; escreveu para muitos jornais; colaborou em outros literários e políticos, e redigiu alguns.

Sud Mennucci escreve uma reveladora anedota contada por Filinto Lopes, primeiro tabelião da cidade de São Paulo:

Numa audiência em que Luiz Gama, como advogado, teve a necessidade de ouvir o Brigadeiro Carneiro Leão, homem que gostava de se referir com incrível prazer à sua aristocrática ascendência, e que fazia alusões ao seu brasão, Luiz Gama interrompeu o depoente para esclarecer um ponto, da seguinte forma:

Então, o primo afirma que viu...
Quem é o primo? - indagou o Brigadeiro, estupefato com aquela falta de respeito.
O senhor naturalmente, - insistiu Gama.
Mas, primo de quem? - Perguntou o Brigadeiro
Ora, meu, de certo.
Seu primo? - explodiu o fidalgo num assomo de cólera. Mas baseado em que parentesco?
Homessa! - explodiu risonho Luiz Gama. Eu sempre ouvi dizer que bode e carneiro são parentes. E parentes chegados.

Poeta e intelectual politicamente engajado, merece registro o texto de seu poema “Quem sou eu ou A bodarrada”:

“Não tolero o magistrado
Que do brio descuidado
Vende a lei, trai a justiça
Faz a todos injustiça
Com rigor deprime o pobre
Presta abrigo ao rico, ao nobre...

Se sou negro ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bode há em toda a casta
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados
Baias, pampas, malhados, Bodes negros, bodes brancos
E, sejamos muito francos,
Uns plebeus e outros nobres..."




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